Jamais aceitarei que, para alcançarmos a paz, precisaremos da guerra, da destruição e da morte... Isso é doentio.
O texto a seguir não tem função jornalística, literária, histórica, filosófica... Apenas tive vontade de escrevê-lo, em 6 de agosto de 2012. Este é o terceiro ano que o compartilho na véspera da data, 6 de agosto, que marca a destruição de Hiroshima e, posteriormente, Nagasaki durante a II Guera Mundial.
Republico o texto abaixo com as devidas alterações.
Numa segunda-feira, em 6 de agosto de 1945, há exatos 69 anos, a cidade japonesa de Hiroshima foi atingida pela bomba atômica “Little Boy”, lançada pela Força Aérea dos Estados Unidos da América (do Norte). Três dias depois, foi a vez de Nagasaki, outra importante cidade do Japão, ser destruída pela bomba nuclear “Fat Man”.
Estima-se que 220 mil pessoas morreram durante esses dois ataques, que marcaram o “fim” da II Grande Guerra Mundial. Milhares de pessoas continuaram morrendo, nos anos seguintes, em decorrência da radioatividade.
Antes que possam questionar, o que escrevo não objetiva minimizar as atrocidades cometidas por japoneses, alemães, italianos, britânicos, russos, norte-americanos e tantos outros povos durante a Segunda Guerra, ou em outros conflitos. Brasileiros, argentinos e uruguaios, por exemplo, também liquidaram os irmãos paraguaios em assombroso conflito durante a Guerra do Paraguai. Pernambuco, estado onde nasci e vivo, também foi bastante mutilado por ter uma população outrora bastante aguerrida.
Tenho minhas razões para lamentar o massacre no Japão. Meus avós paternos conseguiram escapar de Hiroshima antes do bombardeio. "Abandonar" o lar e os amigos; saber que tudo será destruído; deixar toda uma vida para trás dói bastante. É de uma violência assustadora. Daí vem o meu "lamento". Eles conseguiram, e sou grato por isso. Mas milhares de pessoas não tiveram a mesma oportunidade.
Se hoje estou aqui, foi graças à sorte de eles, meus avós, terem deixado o Japão a tempo... Chegado ao Brasil... Tido meu pai em São Paulo... E meu pai, nissei nipo-brasileiro paulista, ter encontrado minha mãe miscigenada e paraibana já em 1985. Dessa união, nasci sansei.
Confio, torço, rezo, espero que tais fatos jamais tornem a acontecer. Confio, torço, rezo e espero (ainda mais) para que todos os nossos atuais conflitos possam acabar um dia.
A exemplo do que escrevi no início, jamais aceitarei a paz pela guerra, pela destruição desumana, pelo sadismo... ACREDITO NA VIDA. ACREDITO NO AMOR E NA SORTE. SOU FRUTO DELES!
Poema de Vinícius de Moraes, musicado por Gerson Conrad, na canção "Rosa de Hiroshima" da banda Secos e Molhados.
Quem passou por grandes perdas sabe do que estou falando. Embora eu também saiba: é muito difícil mensurar o tamanho da dor de cada um. Não vivi, diretamente, nenhum grande conflito bélico. Mas não posso ficar alheio aos que acontecem pelo Mundo. Difícil viver com meu olhar de caridade inútil que, por vezes, me sufoca, diante de tantas tragédias. Tento agir através das palavras.
Dani(ro)lo Shimada
P.S.: Não tenho o crédito da foto. Se alguém souber o autor, por favor, avisem-me.
Recife, a exemplo de outras cidades, vive clima de Copa; e, nunca antes na história dessa cidade acostumada a bater recordes em linha reta, recebemos tantos turistas. E não! Não considero portugueses, espanhóis e holandeses de séculos passados nessa conta. Falo, exclusivamente, de turistas.
Hoje, mais cedo, tive de gastar todo o meu japonês, para orientar um desorientado grupo de "ancestrais" perdidos na Estação Joana Bezerra. Depois da conversa no idioma nipônico, partimos pro inglês. Tudo se resolveu. O destino deles era a Rodoviária TIP e, em seguida, Natal (RN). Seis japoneses animados e bastante dispostos a aproveitar cada instante no Brasil. Depois de um tempo, nem pareciam tão perdidos assim.
No mesmo bolo, já no TIP, um quarteto mexicano andava de um lado para o outro com um desejo “simples”: seguir viagem para Fortaleza. Depois da conversa, passadas as orientações, eles compraram as passagens e, mais tarde, seguirão para a capital cearense. O objetivo é acompanhar o duelo entre Brasil e México nesta terça (17). Em tom de brincadeira, que a seleção deles fique perdida em campo!
O melhor de tudo isso foi poder sentir a energia desse pessoal. O quanto eles estão felizes e agradecidos por estarem acompanhando uma Copa do Mundo no país do futebol, longe de qualquer conotação pejorativa. Tenho meus motivos, minhas decepções com a Copa, muito pelo que vi e vivi durante a Copa das Confederações em 2013. Mas, agora, nada disso me impossibilita de viver esse clima de festa. Jamais deixei que “uma velha mágoa se transformasse em chaga antiga”. Não seria agora!
Dos encontros internacionais, chego a pensar que o perdido sou eu em meu próprio país. Os japoneses e mexicanos - e tantos outros de várias partes do Mundo - vieram ao Brasil para "se perder", e da melhor maneira possível. Dessa forma, eles estão, na verdade, se encontrando por aqui. Alguém disse, não me lembro quem, "muitas vezes, para se encontrar, é preciso se perder". Eles estão felizes, sorridentes e dispostos a viver tudo isso como se fosse a última vez.
Todos nós estamos perdidos, sim. Mas já estamos nos encontrando! Sorriso no rosto e boa vontade!
No metrô, mais cedo, um argentino começou a tocar e cantar músicas brasileiras. Raul Seixas, Alceu Valença e Luiz Gonzaga no repertório. O esforço dele, tentando cantar em português, chamou a atenção de todos no vagão.
Ao cantar "Medo da chuva", de Raul Seixas, o argentino me brindou com a grata surpresa da lembrança. Ao meu lado, uma senhora, com sorriso singelo, derramava algumas lágrimas. Em meu canto, eu derramava as minhas.
Uma estação depois, a senhora desceu. Levou consigo os porquês daquelas lágrimas, daquele sorriso. Pouco depois, o argentino, com algumas moedas no chapéu, também partiu. Por último, desci carregando os motivos de minhas lágrimas, dores, alegrias, tristezas, felicidades...
É preciso perder o medo da chuva, para aprender o segredo da vida. O argentino, a senhora e Raul fizeram-me lembrar disso; algo que, há muito, eu havia me esquecido. Analisando tudo o que tem acontecido, eu já posso cantar: "Eu perdi o meu medo, o meu medo, o meu medo da chuva".
Postado por mim, originalmente, no Facebook, em 27 de maio de 2014.
Não vejo nenhum jornal publicar a foto dos empresários donos dos supermercados fechados, em Pernambuco, por conta de crimes contra o consumidor. É mais fácil encontrar um rato dentro da cesta básica do que um produto na validade em alguns estabelecimentos.
Não vejo nenhum jornal publicar a foto de filhos de empresários pernambucanos envolvidos em acidentes de carro com vítimas fatais. Beberam, dirigiram, assassinaram pais e mães de família e continuam soltos.
Nos últimos dias, vejo postagens sobre o "boy do arrastão". Universitários, jornalistas, donas de casa, policiais... vários conhecidos postando brincadeirinhas sobre o ajudante de pedreiro José Adaílton dos Santos, 18 anos, sem antecedentes criminais. Tento imaginar a graça de uma situação tão séria. Não consigo!
José Adaílton já se entregou às "autoridades". Agora é aguardar, ver se será indiciado, julgado, condenado... Entenderam a ordem? Antes de condenar, vem todo um processo. A imagem dele corre o Mundo. É, para muitos, um criminoso, ladrão safado... A mídia tem de mostrar! Será que é isso mesmo? Creio que a vida de José Adaílton jamais será a mesma.
Fico imaginando quem paga propina ao guarda de trânsito; quem humilha uma pessoa por condição social, econômica, religiosa,sexual-afetiva; quem suborna para conseguir uma vantagem; quem fura fila no terminal de ônibus, no banco, na entrada do elevador; quem dá carteirada por ser "autoridade"; quem estaciona em local proibido; quem bebe e sai para dirigir... Nossa! Isso também não é errado, não merece virar um meme e ser divulgado na internet para condenação pública?
Fico imaginando o quanto as pessoas podem ser tão mesquinhas ao ponto de sentir prazer com a desgraça alheia. De criticar e jogar pedra, quando se tem telhado de vidro. Isso é de uma falta de humanidade assustadora. Mas acredito que todas as pessoas podem e devem melhorar. Inclusive eu que escrevo este texto.
Justiça com as próprias mãos é injustiça. Justiça tem de ser para todos, independente do saldo na conta corrente, do grau de instrução ou de qualquer outra coisa.
“Tudo azul. Adão e Eva e o paraíso. Tudo azul. Sem pecado e sem juízo.”
Tinha uns oito anos, um garoto cheio de dúvidas, longe das raízes pernambucanas, vivendo um último e (in)tenso ano no Ceará. Era 1996. Das lembranças daquela época, sei que, com certeza, o programa de domingo ficava entre ir à Praia do Futuro, durante o dia, ou ao Shopping Iguatemi, à noite.
Quando a escolha era o shopping, depois do passeio e do lanche na McDonald’s, voltávamos em silêncio no carro. Nossa família – de pai, mãe e dois filhos – pouco conversava coletivamente. O único som vinha do rádio, sintonizado na mesma emissora nos três anos em que moramos em Fortaleza. Não me lembro do nome da rádio, mas equivale a Nova Brasil ou Tribuna, aqui em Pernambuco.
A programação era sempre a mesma. Num determinado momento, tocava Sem pecado, sem juízo, que, para mim, sempre será Tudo azul. Que voz era aquela? Eu me deitava no banco de trás – não havia a preocupação com o uso do cinto de segurança – enquanto meu irmão ficava quieto no canto dele. Eu surtava internamente com aquela história de “Adão e Eva sem pecado e sem juízo”. Era possível não ter pecado e não ter juízo? Quem profetizava aquilo? Era Baby; ora Consuelo, ora do Brasil. Que também fosse minha!
O movimento do carro ao som de Baby Consuelo do Brasil, entre a Antônio Sales e a João Cordeiro, já perto do prédio onde morávamos, era ainda mais inebriante. Ouvir Baby me fez e me faz sentir assim! Nesse transe, o fim da música indicava o começo da semana.
Não sei quando descobri o nome da mulher que cantava a história bíblica do primeiro casal. Não foi na homenagem do Dia do Índio, como já contei aqui. Não me lembro de quando foi. É tudo muito “matrix”, como diria a própria Baby. Uma coisa sem explicações ou memórias. Aconteceu num momento em que mente e corpo não estavam juntos. Só pode!
Depois de Tudo azul e Todo dia era Dia de Índio, veio Menino do Rio. Nossa! O que era aquela voz cantando “calor que provoca arrepio”? Vim entender o significado de tudo bem depois, física e mentalmente. Salve, salve, Caetano! Salve o boy magia que encantou a mente por trás dos caracóis dos cabelos baianos.
Das histórias com Menino do Rio – que sempre me levam à Copacabana boy, de Rita Lee – lembro-me de ter pedido para meu editor não colocar a expressão “meninos do Rio” em uma matéria sobre jogadores cariocas. Em 2013, com 27 anos, eu fui “careta”; isso nos rendeu uma boa conversa; ele aceitou meu pedido. Dias depois, vi uma manchete com “meninos do Rio” em um jornal. Quase morri (de rir). Acho que Christian nunca viu essa matéria. Assim espero!
Em 2012, quando Baby esteve no Recife, eu estava em Cuiabá. Como pensei em desistir da viagem para ver o show (e fazer outras coisas). Mãe de volta aos palcos, in name of the Jesus, e graças ao filho Pedro Baby. Mas foi graças a essa maravilhosa viagem que eu pude, no ano seguinte, discutir a respeito do título da matéria sobre os “meninos do Rio” com meu editor. Tudo tem um propósito.
Agora aguardo a volta de Baby do Brasil a Pernambuco. A voz que embalou sonhos dos mais alucinantes aos mais “proibidos”. A voz com mais de 60 anos e um timbre doce, cheio de amor e firmeza. A voz mais incrível entre as cantoras brasileiras “atuais”, sem dúvida. Aquilo e aquela que o Tropicalismo e os Novos baianos nos deram, nada nos tira. Deus, em todas as suas formas, seja louvado. A “popstora” e apóstola Baby também diz amém, “sem pecado” e com o melhor juízo.
*Resumo de um dia literário “acompanhado” por Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira e Florbela Espanca, meus escritores centenários e audaciosos. O título prioriza o pré-modernista Augusto dos Anjos porque este texto foi escrito no dia do 130º aniversário de nascimento do autor, em 19 de abril de 2014.
Eu e outras poesias
Uma amiga tem a primeira edição do livro Eu e outras poesias, do poeta paraibano Augusto dos Anjos. Sempre foi meu sonho de consumo, mas ele é dela, fruto de uma aventura arriscada. A obra foi furtada de uma biblioteca pública há algumas décadas. Nesses momentos, lembro-me de minha escritora predileta, Clarice Lispector, em um dos trechos do conto Cem anos de perdão: “quem nunca roubou não vai me entender. E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender”.
Entre os escritores brasileiros, Augusto é o meu poeta favorito, um dos mais extraordinários que o país já teve. Nasceu em Cruz do Espírito Santo (PB) há exatos 130 anos, em 20 de abril de 1884. Pena que morreu tão jovem, aos 30, em Imperatriz (MG), vítima das complicações de uma pneumonia. De única obra, teve (apenas) Eu publicada em 1912. Já in memoriam, o amigo Órris Soares reuniu textos inéditos do autor e lançou, pela Imprensa Oficial do Estado da Paraíba, em 1920, Eu e outras poesias.
Das história sobre o livro, sempre me vem a contada por um dos meus professores de literatura a respeito do título da coletânea. “Certa vez, Augusto dos Anjos passava por uma das pontes do Recife. Sentiu-se mal, começou a tossir e cuspiu sangue. Assustadas, as pessoas se afastaram dele. Com um dos dedos, ele tocou o sangue no chão e escreveu a palavra EU. Ele era aquilo, um doente, para as pessoas. Tanto que a capa do primeiro livro tem EU escrito em fundo branco com letras vermelhas.” Verídica ou não, essa história permanece comigo até hoje.
Na memória dos 130 anos, compartilho os Versos íntimos do grande poeta. Versos sinceros, únicos e corajosos em qualquer contexto histórico. É uma obra atemporal e desafiadora.
Versos Íntimos – Augusto dos Anjos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera
Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija! ...................................................................................................................................................................
Algumas histórias¹ – O poeta pernambucano Manuel Bandeira, dois anos mais novo do que Augusto dos Anjos, nasceu no Recife (PE), em 19 de abril de 1886. A exemplo do escritor paraibano, pouco se leu sobre as obra desse importante escritor nos meios de comunicação no dia de seu 128º aniversário. Pode não ser uma data redonda, como os jornalistas costumam tratar datas especiais, mas Bandeira sempre deve ser lembrado. Que em 2016, pelo menos, o trabalho do “amigo do rei e possível morador de Pasárgada” seja resgatado.
Dos poemas dele, destaco Madrigal Melancólico, publicado pela Nova Aguilar, em 1993, no livro Poesia Completa e Prosa. Na primeira vez, ouvi Antonio Abujamra recitar esse poema no programa de tevê Provocações. Uma pena o vídeo não estar mais disponível. Depois, encontrei o livro. Madrigal... é um triste e melancólico poema sobre a percepção de como a beleza é fugaz. Um texto belo sobre a vida!
Madrigal Melancólico – Manuel Bandeira
O que adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
– Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida. ...................................................................................................................................................................
Algumas histórias² – Neste final de semana literário, a boa notícia veio com a divulgação do trailer do filme Florbela (Portugal, 2012, 119min), do diretor Vicente de Alves Ó. Distribuído pela Imovision, o longa deverá ser lançado no Brasil em 1º de maio e conta a história da maior poetisa portuguesa: Florbela Espanca (Dalila Carmo).
O filme se passa em Portugal, na década de 1920, num turbulento período político e de transição da monarquia portuguesa para a república. A arrebatadora vida de uma mulher incompreendida, cansada de um casamento tradicional, apaixonada pelo próprio irmão e em busca da salvação através das palavras se dá nesse contexto.
Extraordinária, feminista, “erotizada” e panteísta. As características de Florbela Espanca são traduzidas nas obras da autora; a tragédia parece permear toda a trajetória de vida dessa mulher. Nascida em 8 de dezembro de 1894, em Vila Viçosa (Reino de Portugal), suicidou-se 36 anos depois, no dia do próprio aniversário, em Matosinho (Portugal). Acredito que, ao contrário do tratamento dado a Augusto dos Anjos, no Brasil, Florbela terá melhor sorte em terras lusitanas, nesta data fechada.
Do filme, retiro uma marcante frase: “pior do que não ter aquilo que se quer é não fazer nada quando se tem.” Da obra dessa mulher, 120 anos após o seu nascimento, comemorados em 2014, compartilho o soneto Fanatismo, do livro Soror Saudade, publicado pela Tipografia A Americana, em 1923. O poema foi musicado pelo cantor brasileiro Fagner.
Fanatismo – Florbela Espanca
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
Augusto dos Anjos – 130 anos Manuel Bandeira – 128 anos Florbela Espanca – 120 anos
Em crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 25 de novembro de 1997, o escritor Raul Drewnick tenta manter uma conversa com os leitores. Missão bastante difícil, mesmo para um texto com um título/convite para o diálogo: “quantas palavras você disse hoje?”. Se esse questionamento já “incomodava” na década de 1990, imaginem agora.
Tenho dois amigos com os quais amo sair e conversar: Marcelo e Verônica. Nosso lema, nesses encontros, é “a prioridade é de quem está presente”. Nada de celular ou qualquer eventualidade paralela. Na companhia dele, fazemos questão de deixar isso escancarado. Com ela, esse acordo é mais velado, mas mantido. Engraçado é termos saído juntos apenas uma vez, em quase sete anos de amizade. Eu sou o “amigo em comum” dos dois.
Ao me lembrar de minhas conversas com Marcelo e Verônica, paro e penso sobre as relações entre amigos e conhecidos. Chega a ser assustadora a solidão vivida por muitos atualmente, mesmo que estejam cercados de “gente”. Do recreio na escola ao happy hour num bar, pessoas das mais variadas idades buscam conectar-se com quem está distante. E tome conversar via redes sociais, microblogs e aplicativos de celular. Nada cara a cara, com quem está ao lado. Tão perto e tão longe.
Mais estranho é que, quando decidem se encontrar pessoalmente com quem estava distante, todos agem da mesma forma: um olho no movimento, outro na tela do celular (ou qualquer outro aparelho de comunicação), e as mãos ocupadas digitando mensagens. Pouco se conversa com quem se fez presente!
Dia desses fui ao Recife Antigo, para beber com um amigo que, há meses, não o via. Depois de andar bastante, revisitar museus e fazer outros programas, fomos para um bar na Rua da Moeda. Bastou sentarmos à mesa, que meu companheiro pegou o smartphone e começou a conversar com outras pessoas. Procurei deixá-lo à vontade.
Enquanto tomava uns goles de cerveja frutada, olhei ao redor. Percebi que não apenas meu amigo batia papo virtual, mas várias pessoas ao redor faziam o mesmo, até casais de namorados! Nesse momento, vi que o deslocado parecia ser eu. Dei a noite por encerrada. Pedimos a conta e tomamos nosso rumo. Foi ótimo revê-lo, mas parece que tudo funciona melhor na “segura” distância proporcionada pelos meios de comunicação. Que contraditório.
Já em casa, comecei a cantarolar os versos de Sinal fechado, composta por Paulinho da Viola, em 1968, e vencedora do V Festival da MPB, no ano seguinte. “Olá, como vai? / Eu vou indo. E você, tudo bem? / Tudo bem, eu vou indo pegar meu lugar no futuro. E você? / Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo...”
Na sequência, procurei o texto de Raul Drewnick na internet. Para minha “surpresa”, NÃO O ENCONTREI. Peguei meu livro didático de português da 8ª série, do distante ano de 1999. A crônica estava lá, preservada como as boas conversas que tenho com Marcelo, Verônica e alguns amigos queridos. Digitado e virtual, compartilho o texto com vocês e faço a mesma pergunta:
Quantas palavras você disse hoje?
A vontade de conversar anda cada vez mais em falta em São Paulo. Cansado, acossado pelas contas a pagar, mal-humorado por mil e um motivos, o paulistano hoje fala a língua travada dos monossílabos. Com os parentes, com os vizinhos, com os amigos – também cada vez mais raros –, nós nos limitamos ao sim, ao não, ao é, ao fui, ao sei, quando não recorremos aos grunhidos: ahn, hem, ohm, uhm.
Se nada mudar, logo as 150 ou 200 palavras que usamos para expressar nossas emoções e nossos sentimentos, nossas frustações e nossas alegrias, nosso carinho e nosso rancor, nossos sonhos e nossas desilusões, nosso afetos e nosso desamor estarão reduzidas a 40 ou, quem sabe, 50.
Ninguém precisa falar conosco, para nos definir. Basta olhar para nós. Somos o que o nosso rosto não esconde e nosso olhar inamistoso revela: magoados, sofridos, desencantados. Sorrir para quem, se aquele para quem sorrimos pode nos cercar na próxima esquina e nos apontar um revólver para roubar os minguados reais de nossa carteira? Falar com quem, se ninguém quer falar com ninguém? Somos robôs programados para o essencial e já faz muito tempo que o essencial não inclui a convivência.
Se bater um papo é difícil, manter um diálogo é uma impossibilidade. Já reparou nas caras feias que logo se armam quando numa reunião alguém comete o pecado mortal de tentar pôr em circulação um assunto que não seja o futebol, a vida íntima dos astros do cinema e da TV ou a nova maravilha em dietas ou regimes?
Experimente citar, ainda que bem de leve, aquele programa que você às vezes vê na TV Cultura ou manifeste sua indignação com a Globo por ela ter tirado do ar os Concertos Internacionais.
Ninguém lhe dirá nada, porque falar cansa. Mas você lerá em todos os rostos algo mais ou menos assim: – Ah, qual é a desse cara? Se a dona da casa não enfiar logo um sanduíche na boca desse cretino, já já ele vai vir com aquela caretice de literatura engajada e imortalidade da alma.
Sem ter com quem conversar, às vezes um dos nossos se põe a falar sozinho por aí. Você já viu alguns deles pela cidade – um na Avenida Paulista, um no Largo do Arouche, um na Avenida São João. Alguns, mais modestos, andam pelos bairros da periferia. E falam, falam, falam sem parar. Falam para os carros, para os passarinhos, para as árvores, para os postes. Não falam conosco. Já tentaram, em outro tempo, e enlouqueceram de tanto tentar.
Ontem, vi um desses desvairados. Entrei numa dessas agências bancárias em que não há funcionários, só máquinas, e o vi conversando com uma delas.
A máquina pedia: – Digite sua senha.
Ele digitava e dizia: – OK.
A máquina sugeria: – Digite o valor dos cheques depositados.
Ele digitava e agradecia: – Obrigado.
Aí ele errava, e a máquina repetia: – Digite o valor dos cheques depositados.
Ele digitava de novo e se eximia: – Desculpe, hoje eu estou atrapalhado.
A conversa continuou, enquanto eu, na minha máquina, muda, sacava um dinheirinho. Enfiei as notas no bolso, saí e fiquei um minuto ou dois lendo as manchetes numa banca. Quando me dispus a retomar meu caminho, quem foi que se aproximou de mim? O homem, aquele. Olhou-me com simpatia e me perguntou: – Tudo bem?
Entrei em pânico. Ele, então, levantou a mão e me cumprimentou: – Até logo e boa sorte.
Enquanto eu, estupefato, não sabia se respondia ou não, ele atravessou a rua e se foi. Era um louco, só podia ser. Falava e, além de falar, sorria. ...................................................................................................................................................................
“Esteja presente, como um presente, em minha vida.” Autor desconhecido
Introdução: Francisco Danilo Shimada
Texto principal: Raul Drewnick
Lembro-me como se fosse hoje, agora, neste exato momento de madrugada insone. Há quase 20 anos, a coordenadora pedagógica Rita de Cássia, responsável pelas turmas / tribos da 4ª série do Colégio Cearense Sagrado Coração – Marista, entrou na sala de aula com um violão em uma das mãos. Na outra, segurava cópias da música Todo dia era dia de índio, composta por Jorge Ben (Jor), e imortalizada na voz de Baby Consuelo (do Brasil). Ela não veio brincar de índio, igual a Xuxa; ou trazer os curumins do arco-íris de Mara Maravilha. Era Dia do Índio!
As cópias foram distribuídas para os alunos pelos três representantes de turma (um religioso, um esportivo e um cultural). Eram muitos estudantes, muitas tarefas, todas bem dividas. Traços de uma organização indígena numa instituição católica, talvez. Fazia um bonito sol lá fora, os galhos das árvores de olho-de-pombo balançavam com a brisa da tarde. Mas não havia índios, a natureza em toda sua exuberância, parecia um pouco morta.
A coordenadora falou sobre a importância e a situação dos nossos ancestrais indígenas. Num apelo emocionado, ela pediu para nos lembrarmos do Dia do Índio muito além da data comemorativa. Após um breve debate, começou a dedilhar o violão e cantou. Não há o registro, mas temos Baby.
Jorge Ben foi muito além da homenagem aos povos indígenas na música. A canção é, na verdade, um pedido de socorro. Dos mais de três milhões de índios – que habitavam Pindorama, a Ilha de Vera Cruz, a Terra de Santa Cruz, o Brasil – restam alguns milhares. Das centenas de etnias existentes, em 1500, poucas têm registros, inúmeras “sumiram”. Sobre os idiomas, muito foi condensado no tupi-guarani; outra grande parte foi esquecida, dizimada.
De lá para cá, em várias escolas, já me pintei como os índios, assisti a apresentações, dancei, doei alimentos, comprei artefatos, muitas vezes, sempre por conta dessa data. Numa oportunidade única, a mais intrigante, vi índios no Zoológico de Dois Irmãos, no Recife (PE), fazerem a dança da chuva. O céu escureceu. Foi lindo, único, encantador! Choveu! Um pouco, mas choveu. Tupã se fez presente.
A história por trás da data – O 19 de abril é dedicado aos índios, em todo território americano, por conta da participação de diversos líderes indígenas no I Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, em 1940. Após o receio de participar do evento, nos primeiros dias, por conta das perseguições sofridas, os representantes das tribos foram ao encontro dos líderes políticos discutir ações para a preservação da memória dos índios. No Brasil, a data passou a ser comemorada em 1943, através do decreto lei de número 5.540, assinado pelo presidente Getúlio Vargas.
Dos textos da escritora Marina Colasanti, lidos durante minha vida escolar, Eu sei, mas não devia é aquele que deixou profundas marcas na maneira que tenho de observar o mundo. Queria poder agir mais, com a tamanha intensidade com a qual observo as pessoas e as coisas. Mas, ultimamente, tenho observado mais e agido menos, creio. Ou estou sendo duro comigo?!
Radicada no Brasil desde 1948, Marina Colasanti nasceu no norte da África, em 1937, na região que compreende a Eritréia e a Etiópia, antigas colônias italianas. Ao lado de Clarice Lispector, autora de origem ucraniana e também radicada em terras brasileiras, Marina foi quem melhor soube traduzir as visões de um “estrangeiro” sobre nosso país e em bom português.
Só que Eu sei, mas não devia vai muito além de um retrato verde e amarelo sobre a sociedade local. É uma análise de nosso planeta, das “relações” entre os seres, feito há quase duas décadas e ainda bastante atual. Marina, no texto, nos faz perceber o quanto nos acostumamos às coisas ruins do viver em busca de uma sobrevivência desgastante.
Quantas vezes ligamos para alguém, tentamos marcar um encontro e somos ignorados? Quantas vezes somos nós a ignorar um amigo, um vizinho, um estranho? Qual foi a última vez que paramos para observar o sol, a lua, o mar, a imensidão? Quando foi que passamos a aceitar qualquer imposição, qualquer número, sem o menor questionamento? Como a "coisificação" tomou conta de nossas vidas? Nesses questionamentos, lembro-me de uma antiga frase de Balzac: “a resignação é um suicídio cotidiano”.
Nos meus momentos de pouca fé e desilusão, agarro-me às palavras e aos sentidos do texto que me faz saber das coisas, mesmo sem eu dever saber. Eu sei, mas não devia me tira de meus momentos de resignação, de solidão e de descrença. Que possa fazer o mesmo por cada um que ler esse grito de alerta escrito por Marina Colasanti.
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Eu sei, mas não devia*
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
*Texto extraído do livro homônimo, publicado em 1996, pela editora Rocco.
Num último ano tão produtivo para o cinema, as futuras gerações (com o auxílio luxuoso dos adultos) fizeram uma homenagem às produções que concorrem ao Oscar 2014 de melhor filme. Numa frase: o resultado apresentado pelas crianças também é digno de prêmios! O vídeo foi produzido numa parceria entre CineFix e Mom.me.
Principais concorrentes - Capitão Phillips, Clube de compras Dallas, Ela, Filomena, Gravidade, Nebraska, 12 anos de escravidão, O lobo de Wall Street e Trapaça... As previsões sobre o Oscar 2014 apontam para divisão de prêmios entre várias produções, com destaque para o drama no espaço sideral Gravidade.
Na categoria de melhor filme, a questão primordial fica sobre o caminho a ser tomado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas: premiar "12 anos de escravidão", do diretor britânico Steve McQueen, ou "Gravidade", do mexicano Alfonso Cuarón, já considerados clássicos e apontados como favoritos por críticos e público.
Independente dos resultados, o Oscar 2014 e as outras premiações, a exemplo do Globo de Ouro e dos sindicatos (diretores, atores, produtores...), destacam uma sétima arte ainda capaz de emocionar plateias em qualquer lugar do mundo. Agora é aguardar a festa marcada para 2 de março, com a cobertura de diversos sites: Cinema É Tudo Isso! - Ana Maria Bahiana - Rubens Ewald Filho - Adoro Cinema - Spoiler Movies - Diario de Pernambuco - Veja.
Embora nem todos sejam os meus "queridos", minhas apostas são as seguintes:
Filme: 12 anos de escravidão ou Gravidade Diretor: Alfonso Cuarón - Gravidade Ator: Matthew McConaughey, Clube de Compras Dallas Atriz: Cate Blanchett, Blue Jasmine Ator coadjuvante: Jared Leto, Clube de Compras Dallas Atriz coadjuvante: Lupita Nyong'o, 12 Anos de Escravidão Roteiro original: Ela Roteiro adaptado: 12 anos de escravidão Animação: Frozen - uma aventura congelante Animação curta-metragem: É hora de viajar Filme em língua estrangeira: A grande beleza Canção original: Ordinary love, de Mandela - um longo caminho para a liberdade Documentário: O ato de matar Documentário curta-metragem: The lady in number 6 - music saved my life Curta-metragem: The Voorman problem Figurino: O grande Gatsby Fotografia: Gravidade Montagem / edição: Gravidade Maquiagem: Clube de compras Dallas Trilha sonora original: Gravidade Direção de arte: O grande Gatsby Edição de som: Gravidade Mixagem de som: Gravidade Efeitos visuais: Gravidade
Sempre achei exageradas as cenas de novelas e filmes em que personagens, financeiramente abastados, num surto de ódio, começavam a arremessar e quebrar coisas. Vasos, celulares, pratos, copos... Se tiver um espelho por perto – na verdade, sempre há – ou uma pessoa, é ainda melhor (ou pior). Os ditos se tornam alvos de qualquer objeto à mão.
Por que quebrar coisas devido a traição, fim de romance e qualquer outro estresse cotidiano? Jamais vi isso em minha casa. Nem soube de algo parecido nos lares vizinhos. Por quê? Por quê? Por quê? De tanto me questionar, eis que, dia desses, tive meu momento de “riqueza”. Ou seja, “jamais diga jamais”. Toda a minha inquietação sobre essa atitude “animalesca” teve fim. Caiu por terra qualquer pudor que eu tinha sobre tal ato de raiva.
Arremessar algo é uma atitude libertadora, uma válvula de escape, quando tudo parece ruir feito um castelo de areia na beira da praia. Sabe aquela história de contar até dez? Esqueça! Os gregos podem até ser mais espertos: jogam o prato no chão como forma de elogiar a comida (e quem a fez). Será que eles não gostam de lavar louça? Não sei! Mas nada se compara ao alívio de jogar algo contra a parede, contra o chão.
Numa chuvosa manhã de domingo, o cano de água estourou, caiu o telhado da casa do cachorro, as roseiras tombaram... Já que sou o responsável pela manutenção dessas áreas da casa, eu tinha de dar conta de tudo isso, além de me preparar para um compromisso importante e triste: missa de sétimo dia. Como nada seria resolvido num passe de mágica, encarei os desafios. Tarefa cruel, ingrata e sonolenta às 6h.
Colocar as roseiras no lugar foi fácil (jardineiro). O telhado foi coberto com uma lona, uma obra emergencial digna de um trabalho estatal (pedreiro). O problema surgiu no meu momento encanador. Por mais que tentasse, não conseguia ajeitar o cano quebrado. O tempo passava, a chuva caia e o desespero aumentava. Nada de eu conseguir dar um jeito naquela situação.
Num momento repentino, já sem saber o que fazer, atrasado, sujo e molhado, vi-me com uma vassoura na mão; no outro, ela já estava aos pedaços no chão do quintal. A vassoura apareceu num momento providencial. Extravasei! Creio que o estresse pelo cano quebrado tenha sido o de menos. Coloquei para fora, num ato bruto, mágoas antigas. Por que naquele instante? Por quê? Por quê? Por quê?
Depois do acontecido, respirei fundo e terminei o que tinha de fazer. E consegui. A sensação de leveza é indescritível. O dia se tornou mais leve; a vida, neste começo de ano com Mercúrio retrógrado, ficou mais acolhedora. Mas tenho limites. Arremessar o celular, quebrar o vaso, ou destruir o espelho não é financeiramente viável. Jogar algo em alguém está fora de cogitação. No final, não atingi o ápice das personagens revoltadas dos folhetins. Além disso, tive de comprar uma nova vassoura. E se fosse um celular?
O mais “louco” é saber que até campeonatos mundiais de arremesso de celular existem. E com direito a várias categorias, de acordo com a criatividade do lançamento, distância atingida e idade. Sim, desde bem jovem já se aprende a jogar para longe os nem sempre queridos aparelhos e outros sentimentos. Acho que essa é a minha chance de voltar a ser um atleta de ponta.
No final, independente de realidade ou ficção, de rico ou de pobre, toda pessoa pode(ria) arremessar algo para bem longe. Quais seriam os resultados, as consequências, as metáforas por trás desse ato? Cada um iria obter uma resposta. São as dores e os prazeres da vida, com devidos custos e estereótipos.
Eu sou rica! Jogue um abajur!
Um dia de fúria (não precisa ser rica) nordestina.
Foto feita pela amiga, nobre companheira de profissão e assessora de Comunicação da Delegação do Paraná, Josi Schmidt, durante os Jogos Escolares da Juventude Belém 2013. Entrevistando a jogadora de vôlei de praia Monique Rossato no Portal da Amazônia, no Pará, em novembro de 2013.
Há quase um ano, em dezembro de 2012, o jornalista Edward Pimenta me entrevistava em um hotel localizado na praia de Boa Viagem, no Recife (PE). Tratou-se da última fase do processo seletivo para o Curso Abril de Jornalismo 2013. Deixei o local com a esperança de fazer parte da “turma”, mas com a sensação de que o dever não foi cumprido, de que não me saí bem durante o encontro. Quem mandou não me lembrar do nome do autor do artigo que comparava homossexuais e cabras, ser inseguro com relação à língua inglesa e/ou não apresentar uma boa sugestão de pauta? Em meio a tantos questionamentos, segui em frente. A aprovação não veio, porém, a vontade de tentar novamente permaneceu.
Entre a desclassificação, no ano passado, e o envio deste novo texto, muita coisa se passou. Meu maior desafio, neste momento, é reinventar-me e responder a duas perguntas simples, objetivas e reveladoras, como deve (ou deveria) ser o trabalho jornalístico: quem sou eu e por que escolhi o jornalismo como profissão? Absurdo seria fazer apenas uma reedição do que escrevi em 2012, a exemplo do que fazem algumas escolas de samba durante o Carnaval. Reeditam um samba antológico e apresentam-se de forma mediana na avenida. Quem assistiu ao desfile do Império Serrano, em 2004, com a nova versão do “Aquarela Brasileira”, sabe do que estou falando.
Durante o período em que aguardei por esta nova oportunidade, vi o “meu” Francisco ser valorizado com a escolha do nome papal feito pelo então cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio. Com o ocorrido, parece até que são Francisco resolveu fazer morada onde vivo com minha família. Pássaros voltaram a fazer ninho não só nas roseiras que cultivo no jardim, mas dentro de casa também. Até um filhote de labrador apareceu por aqui em 25 de julho passado. Depois de dez anos morando no bairro de Maranguape II, na cidade do Paulista (PE), decidimos ter um cachorro.
O pequeno labrador, chamado de Nino, o Grande, veio numa data muito especial. Falei meu primeiro “papai” em 25 de julho de 1986; e colei grau e me tornei jornalista 25 anos depois, no mesmo 25 de julho, em 2012. Fiz, com essa lembrança, minha referência ao texto do ano passado. Espero não ter atravessado o samba. Das outras boas surpresas vindas nos últimos meses, aprendi a ser tio com a chegada de Helena Sofia, filha de meu irmão Ivo Yoshinori. Pequena princesa a quem chamo de “De Tróia”, numa clara alusão à Ilíada de Homero. Com ela, tornei-me tio além da escola.
Na busca do quem sou, decidi dedicar 2013 ao jornalismo e deixei as salas de aula. Meu “eu-professor”, por conta do curso de letras, pediu licença aos alunos e deu lugar ao “eu-jornalista” em busca de pautas, fatos e apurações. Amo contar histórias! Entre os “freelas” e a esperança na abertura de concursos públicos, deixei de ser voluntário de duas organizações, o Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), e fui contratado por ambas, no ano em que completei dez anos de voluntariado nas áreas de educação, esporte, cultura e eleitoral.
O trabalho para o COL pouco teve relação com o jornalismo. Fui assistente da Gerência de Voluntários durante a realização da Copa das Confederações. Mas, nesse período, fiz valer um dos aprendizados adquiridos durante minha passagem pela Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Pernambuco: gerenciamento de crises. Elas passaram; eu, também. Agora, escrevo recém chegado de Natal (RN), onde fui assessor de Imprensa do COB durante os Jogos Escolares da Juventude. O próximo passo é seguir para Belém (PA), em novembro, e cobrir a segunda etapa dos Jogos.
A cada dia, as experiências vividas me fazem perceber, ainda mais, que escolhi o caminho certo. Não sei “como será o amanhã”, mas sei que sou Francisco Danilo Soares dos Santos Shimada, brasileiro, solteiro, 27 anos, jornalista, professor, torcedor do Sport Club do Recife, fã de esportes, virginiano e conhecedor dos artigos de J.R. Guzzo.
*Com o texto acima, pelo segundo ano seguido, cheguei até a última fase do processo seletivo para o Curso Abril de Jornalismo. Fui entrevistado por Edward Pimenta numa segunda-feira de dezembro de 2013, tendo a orla da Praia de Boa Viagem, no Recife (PE), como paisagem. Nossa conversa fluiu: 30 minutos sobre Clarice Lispector, biografias (não)autorizadas, blogues, artesanato pernambucano, minhas viagens, bicicletas e o que havia mudado em minha vida no último ano. Terminada a entrevista, fui direto para o aeroporto em direção aos Jogos Escolares, a Belém do Pará. A convocação para o Curso não veio, mas ficou a experiência e o aprendizado.
É mais fácil acertar os números da Mega-Sena do que alguns vencedores do Globo de Ouro 2014. Está bem! A comparação foi forçada, até porque eu só acertei um número na última aposta que fiz na loteca. Creio que terei mais sorte neste domingo, 12/1, quando serão anunciados os melhores do cinema, segundo os membros da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood.
Como acompanho mais a sétima arte, não farei apostas relacionadas às séries de televisão. Não assisti a um episódio de "Breaking Bad", por exemplo. Joguem pedras, mas não consigo seguir os horários e as temporadas pela tevê. Muito menos pelos sites na internet. Paciência!
Voltando aos filmes, apresento uma breve explicação sobre a escolha nas categorias e indico apenas um nome em cada uma delas. O palpite teve de ser “certeiro” e levou em consideração minha torcida, histórico da premiação, perfil dos votantes e "sexto sentido". Minha aposta de segurança: “12 anos de escravidão”, do diretor Steve McQueen. Vamos às apostas?!
Depois de "Shame", Steve McQueen nos apresenta um dos melhores e mais verdadeiros relatos sobre a escravidão na América em "12 anos de escravidão". Trata-se do melhor filme entre os indicados, embora também goste de "Gravidade" e "Filomena". Pouca dúvida na hora de depositar minha aposta nessa categoria.
Num duelo entre as rainhas "Elizabeth", no fechamento da lotérica, decidi ficar com a coroa, com o perdão do trocadilho, mais experiente. Judi Dench nos arrebata para / com a história da busca de uma mãe pelo filho em “Filomena”. Se a vencedora for Cate Blanchet, por "Blue Jasmine", o Globo de Ouro também estará em ótimas mãos. Judi e Cate são as responsáveis por transformar esses filmes em obras preciosas.
Sobre a disputa entre as rainhas, no final da década de 1990, Judi Dench conquistou o Oscar de atriz coadjuvante ao interpretar "a rainha virgem" em "Shakespeare apaixonado". Na mesma época, também interpretando a maior rainha britânica, Cate Blanchet foi considerada a melhor atriz - drama por "Elizabeth", no Globo de Ouro.
Detalhe: Meryl Streep também poderia estar nessa categoria, mas foi indicada (e deve levar) o prêmio de melhor atriz em comédia / musical por "Álbum de família".
Poderia apostar Matthew McConaughey, que tem um desempenho digno em "Clube de compra Dallas", mas o escravo de Chiwetel é histórico. Aposta e prêmio garantidos.
Difícil escolher o melhor filme comédia / musical, quando se tem os irmãos Cohen (Balada de um homem comum), David O. Russell (Trapaça), Alexander Payne (Nebrasca), Spike Jonze (Ela) e Martin Scorsese (O lobo de Wall Street) num mesmo grupo. Parece ser aquela escolha que se dá por conta de um número da sorte, um número especial, e, ao mesmo tempo, com cautela.
Pelo conjunto da obra, decidi pelo "lobo em pele de cordeiro?!" de Scorsese. Numa outra situação, escolheria "Nebrasca", ou "Balada...", ou "Ela"... Num devaneio da imprensa internacional, "Trapaça", com as bolinhas do sorteio um pouco "batizadas", leva o prêmio.
Seria cômico, se não fosse trágico... Seria trágico, se não fosse cômico... Trata-se de uma tragicomédia, ou de uma comédia dramática? Com quase 30 indicações ao Globo de Ouro, Meryl vence pelo dramático papel em "Álbum de família". Aposta, praticamente, certa.
Novamente, uma das escolhas mais difíceis do jogo. Os cinco atores indicados nesta categoria são dos cinco filmes que concorrem ao prêmio de melhor comédia / musical. Leonardo DiCaprio conquista o prêmio por ser o que mais se enquadra naquilo que se espera de uma comédia. Ele está eletrizante em Wall Street. MAS... É impossível não se emocionar com o magnífico trabalho de Bruce Dern em “Nebrasca”. Muitos aplausos para ele! Na mesma situação de Judi Dench e Cate Blanchet, com Bruce, o troféu também estará bem guardado.
Pela surpresa Oscar Isaac, em “Balada para um homem comum”, e pela delicadeza de Joquin Phoenix, em “Ela”, os dois atores também merecem uma “fezinha”. Christian Bale, por “Trapaça”, corre por fora. Tantos bons e premiados “números” para escolher...
Já que "Vidas ao vento", de Hayao Miyasaki, está fora do páreo e apenas foi indicado na categoria de filme estrangeiro, “Frozen” se destaca entre os três filmes concorrentes. Foi um período difícil para as produções norte-americanas. Achei “Os Croods” simpático(s); amo os Minions e gostei da continuação de “Meu malvado favorito”, mas ainda prefiro a animação japonesa de Miyasaki, que não foi indicada nesta categoria e tem pouquíssimas chances em língua estrangeira. Interessante seria se o “sorteio” fosse anulado, e novas “bolinhas” entrassem no globo.
Tudo é belo no filme “A grande beleza”, de Paolo Sorrentino. De tão primoroso, parece que, ao escolher esse filme como minha aposta, eu havia sonhado com os números sorteados do jogo. Além do italiano e de “Vidas ao vento”, de Miyasaki, outros três filmes também estão na disputa.
O francês “Azul é a cor mais quente” arrebatou plateias por onde passou ao retratar um romance lésbico, ou melhor, um romance humano. O dinamarquês “A caça”, tido como o favorito ao Oscar, nos faz refletir sobre o poder devastador de uma afirmação (in)verídica ao tratar de questões familiares, paixões e pedofilia. O iraniano “O passado” traz de volta o diretor Asghar Farhadi a Hollywood, vencedor da categoria, em 2012, com o filme “Separação”.
É pela transformação, é pela entrega, é pela dedicação... Jared é maravilhoso em "Clube de compra Dallas", embora eu também torça (e muito) Michael Fassbender (12 anos de escravidão). Poderiam dividir o prêmio entre os dois, a exemplo do que pode acontecer com a loteria. Detalhe: queria ter a segurança que tive na categoria de coadjuvante feminina, para escolher Fassbender. Daniel Brühl é o maior motivo para ver "Rush" e também merece consideração.
Por mais que o trabalho de Afonso Cuarón, em "Gravidade", seja muito bem conduzido e um grande responsável pelo impacto causado pela aventura no espaço, McQueen é visceral. Se fosse possível, faria duas apostas. Oxe, mas posso fazer!
"Gravidade" não seria "Gravidade" sem a trilha produzida por Price. Já ouvi / li a seguinte frase em algum lugar (ou não): música para os olhos. Outro palpite certeiro.
Ouvi as cinco; minha primeira escolha (feita de olhos fechados, mas sem o "mamãe mandou eu escolher esse daqui") foi a canção composta para o filme sobre o líder sul-africano Nelson Mandela, falecido em dezembro de 2013. Outra aposta seria a canção "Let it go", do filme “Frozen”, composta por Kristen Anderson e Robert Lopez.
No final da premiação, creio que o 13 da sorte poderá ser chamado de 12 da sorte. No domingo 12, "12 anos de escravidão" deve ser o grande vencedor. Nas verdade, todos nós já somos vencedores.